Cinco anarquistas
Moacyr Scliar
O serviço secreto do rei Igor XV captura
cinco anarquistas. Vou dar uma lição a esses canalhas, declara o monarca à
imprensa.
São trancafiados na mesma cela. Louis
Halm, trinta e dois anos, chefe do bando; Ruiz Agostin, trinta e oito anos, pai
de seis filhos; Georges Pompeu, vinte e três anos, único filho de uma viúva;
Miro Levin, vinte e quatro anos, o intelectual do grupo, autor de Anarquia e independência; Amedeo
Bozzini, vinte e dois anos, o mais jovem e menos experiente.
Ruiz Agostin, no primeiro dia:
-
Amigos, não nos inquietemos. Não há provas contra nós. Breve o rei terá que nos
libertar. Coragem!
Entra o carcereiro com a ração do dia: cinco
pãezinhos e cinco canecas com água.
-
Só? – protesta Amedeo Bozzinni.
-
Esta dieta foi estudada pelo médico da prisão – responde o carcereiro. – um
pãozinho e uma caneca de água garantem a sobrevivência da pessoa. Bom apetite.
Passa o primeiro dia, passa o segundo,
passa o décimo. O carcereiro estava certo: Não sentem fome, nem se desnutrem.
Para manter o espírito forte, organizam debates:
-
A conjuntura atual favorece...
-
Engano, engano.
-
Mas os dados da realidade...
-
Engano!
-
Não podemos negar que...
-
Imbecil!
Infelizmente, começam a perder a
paciência.
No vigésimo oitavo dia, o guarda aparece
com quatro pãezinhos e quatro canecas com água.
-
Falta um pãozinho! – Grita Georges Pompeu.
-
E uma caneca de água! – Amedeo Bozzini.
-
São as ordens que recebi – responde o homem, e fecha a pesada porta de ferro.
-
Amigos – diz Louis Halm. – haveremos de vencer essa dura prova. Nossa
solidariedade e nossa fé nos ajudarão!
Cada um recebe quatro quintos de
pãozinho; e quatro quintos de caneca de água.
No dia seguinte, a mesma coisa; E no
outro, e no outro.
Ao fim de uma semana, os ossos começam a
lhes furar a pele. Louis Halm convoca uma reunião.
-
Amigos – diz, com voz embargada - , estamos vendo que assim morreremos todos. É
preferível que um de nós seja sacrificado. Os que restarem aguardarão a
libertação, que não deve tardar.
-
Ofereço-me como voluntário. – diz Ruiz Agostín.
-
Não. Tens seis filhos.
-
E eu? – É Georges Pompeu. – Por que não eu?
-
Tua velha mãe precisa de ti.
-
E de mim, quem precisa. – Miro Levin.
-
O povo, pelo qual tu pensas. – Uma pausa e Louis Halm continua:
-
Todos são necessários, mas alguém precisa morrer.
Auxiliado pelos companheiros, Amedeo
Bozzini enforca-se nas grades da prisão.
Na manhã seguinte, vem o carcereiro com
quatro pãezinhos e quatro canecas com água; antes de sair, comenta:
-
Os jornais estão dizendo que Amedeo Bozzini se suicidou por remorso.
-
Mentira! – grita Louis Halm.
O carcereiro dá de ombros e se vai,
assobiando.
No quadragésimo dia a ração é novamente
reduzida: três pãezinhos, três canecas de água. Os prisioneiros protestam; são
as ordens que recebi, diz o carcereiro.
-
Temos de sacrificar mais um – diz Louis Halm, quando ele sai.
Ruiz Agostín oferece se de novo, e também
Georges Pompeu; mas o escolhido dessa vez é Miro Levin. Eu estava mesmo cansado
de ser intelectual, diz ele, antes de se enforcar.
-
Os jornais informam que Miro Levin era viciado em tóxico – diz o carcereiro, na
manhã seguinte.
-
Mentira! – brada Louis Halm, na sua fraca voz. O carcereiro se vai.
Na manhã seguinte: dois pãezinhos e duas
canecas de água.
-
Digam a minha mãe que morri por uma causa justa – pede Georges Pompeu, antes de
se enforcar.
Na manhã seguinte, comenta o carcereiro:
-
Segundo os jornais, a mãe de Georges Pompeu cuspirá diariamente no túmulo do
filho.
Louis Halm e Ruiz Agostín, reduzidos a
figuras espectrais, nem sequer protestam.
No quinquagésimo dia, o carcereiro traz
um pãozinho e uma caneca de água.
-
Adeus, meu amigo – diz Ruiz Agostín. – Espero que logo saias daqui para chefiar
nosso povo. Cuida de meus filhos!
Louis Halm ajuda-o a se enforcar.
Certifica-se de que está bem morto, e então vai até a porta:
-
Olá! Carcereiro!
O carcereiro aparece.
-
Era o último – diz Louis Halm, com esforço. – Vai dizer ao rei que cumpri minha
tarefa conforme o combinado. E me deixa sair.
Mas o carcereiro permanece imóvel,
bloqueando a porta com o corpanzil imenso.
-
Não ouviste? – Louis Halm, ríspido. – Deixa-me sair! E vai logo avisar ao rei.
-
Já fui! - diz o carcereiro.
-
E então?
-
Ele manda-te isto.
Mostra a bandeja: meio pãozinho e meia
caneca de água.
* Moacy Scliar (1937-2011) - escritor gaúcho, autor de Max e os felinos, Exército de um homem só, Sonhos tropicais, entre outros.
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