segunda-feira, 15 de abril de 2013

Cinco anarquistas


Cinco anarquistas
Moacyr Scliar


O serviço secreto do rei Igor XV captura cinco anarquistas. Vou dar uma lição a esses canalhas, declara o monarca à imprensa.
São trancafiados na mesma cela. Louis Halm, trinta e dois anos, chefe do bando; Ruiz Agostin, trinta e oito anos, pai de seis filhos; Georges Pompeu, vinte e três anos, único filho de uma viúva; Miro Levin, vinte e quatro anos, o intelectual do grupo, autor de Anarquia e independência; Amedeo Bozzini, vinte e dois anos, o mais jovem e menos experiente.
Ruiz Agostin, no primeiro dia:
 - Amigos, não nos inquietemos. Não há provas contra nós. Breve o rei terá que nos libertar. Coragem!
 Entra o carcereiro com a ração do dia: cinco pãezinhos e cinco canecas com água.
 - Só? – protesta Amedeo Bozzinni.
 - Esta dieta foi estudada pelo médico da prisão – responde o carcereiro. – um pãozinho e uma caneca de água garantem a sobrevivência da pessoa. Bom apetite.
Passa o primeiro dia, passa o segundo, passa o décimo. O carcereiro estava certo: Não sentem fome, nem se desnutrem. Para manter o espírito forte, organizam debates:
 - A conjuntura atual favorece...
 - Engano, engano.
 - Mas os dados da realidade...
 - Engano!
 - Não podemos negar que...
 - Imbecil!
Infelizmente, começam a perder a paciência.
No vigésimo oitavo dia, o guarda aparece com quatro pãezinhos e quatro canecas com água.
 - Falta um pãozinho! – Grita Georges Pompeu.
 - E uma caneca de água! – Amedeo Bozzini.
 - São as ordens que recebi – responde o homem, e fecha a pesada porta de ferro.
 - Amigos – diz Louis Halm. – haveremos de vencer essa dura prova. Nossa solidariedade e nossa fé nos ajudarão!
Cada um recebe quatro quintos de pãozinho; e quatro quintos de caneca de água.
No dia seguinte, a mesma coisa; E no outro, e no outro.
Ao fim de uma semana, os ossos começam a lhes furar a pele. Louis Halm convoca uma reunião.
 - Amigos – diz, com voz embargada - , estamos vendo que assim morreremos todos. É preferível que um de nós seja sacrificado. Os que restarem aguardarão a libertação, que não deve tardar.
 - Ofereço-me como voluntário. – diz Ruiz Agostín.
 - Não. Tens seis filhos.
 - E eu? – É Georges Pompeu. – Por que não eu?
 - Tua velha mãe precisa de ti.
 - E de mim, quem precisa. – Miro Levin.
 - O povo, pelo qual tu pensas. – Uma pausa e Louis Halm continua:
 - Todos são necessários, mas alguém precisa morrer.
Auxiliado pelos companheiros, Amedeo Bozzini enforca-se nas grades da prisão.
Na manhã seguinte, vem o carcereiro com quatro pãezinhos e quatro canecas com água; antes de sair, comenta:
 - Os jornais estão dizendo que Amedeo Bozzini se suicidou por remorso.
 - Mentira! – grita Louis Halm.
O carcereiro dá de ombros e se vai, assobiando.
No quadragésimo dia a ração é novamente reduzida: três pãezinhos, três canecas de água. Os prisioneiros protestam; são as ordens que recebi, diz o carcereiro.
 - Temos de sacrificar mais um – diz Louis Halm, quando ele sai.
 Ruiz Agostín oferece se de novo, e também Georges Pompeu; mas o escolhido dessa vez é Miro Levin. Eu estava mesmo cansado de ser intelectual, diz ele, antes de se enforcar.
 - Os jornais informam que Miro Levin era viciado em tóxico – diz o carcereiro, na manhã seguinte.
 - Mentira! – brada Louis Halm, na sua fraca voz. O carcereiro se vai.
Na manhã seguinte: dois pãezinhos e duas canecas de água.
 - Digam a minha mãe que morri por uma causa justa – pede Georges Pompeu, antes de se enforcar.
Na manhã seguinte, comenta o carcereiro:
 - Segundo os jornais, a mãe de Georges Pompeu cuspirá diariamente no túmulo do filho.
Louis Halm e Ruiz Agostín, reduzidos a figuras espectrais, nem sequer protestam.
No quinquagésimo dia, o carcereiro traz um pãozinho e uma caneca de água.
 - Adeus, meu amigo – diz Ruiz Agostín. – Espero que logo saias daqui para chefiar nosso povo. Cuida de meus filhos!
Louis Halm ajuda-o a se enforcar. Certifica-se de que está bem morto, e então vai até a porta:
 - Olá! Carcereiro!
O carcereiro aparece.
 - Era o último – diz Louis Halm, com esforço. – Vai dizer ao rei que cumpri minha tarefa conforme o combinado. E me deixa sair.
Mas o carcereiro permanece imóvel, bloqueando a porta com o corpanzil imenso.
 - Não ouviste? – Louis Halm, ríspido. – Deixa-me sair! E vai logo avisar ao rei.
 - Já fui!  - diz o carcereiro.
 - E então?
 - Ele manda-te isto.
Mostra a bandeja: meio pãozinho e meia caneca de água.



* Moacy Scliar (1937-2011) - escritor gaúcho, autor de Max e os felinos, Exército de um homem , Sonhos tropicais, entre outros.

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